Conjugando ternura, suspense, um olhar afiado para detalhes — um dente que cai, um cabelo que cresce, uma postura curvada por levar tantos bebês nos braços — e uma boa dose de humor, os contos de Paula Novais Ferreira nos oferecem uma fatia generosa daquilo que ocorre entre nascermos e morrermos. Neste bem-vindo livro de estreia, uma admirável contadora de histórias que peneira com esmero sua linguagem se apresenta em “Jerônimo dos Sinos”, “Arrelienta” e outros textos de notável desenvoltura narrativa. Neles encontramos a curiosidade para além da cidade natal, uma embaraçosa carta ditada por um pai a seu filho, os segredos em uma antiga estação ferroviária, o primeiro contato com o texto de Clarice Lispector. A prosa de Paula parece nos indagar sobre o que nos faz pertencer. As relações entre familiares de diferentes gerações, os vínculos de amor e amizade, paisagens por onde passamos, os silêncios, do que são feitos? E a inadequação e o desconforto que experimentamos, os quais podem nos tornar mais estranhos e também nos levar por direções imprevistas. Acontece com a filha de imigrantes brasileiros que, na Alemanha, olha para o céu com desejo de lua; ou com a menina que nota a diferença de tratamento dado a ela e aos seus irmãos meninos; e acontece com a galinha incomodada por ser criada só para ir pro abate. Ao longo do livro, Paula dialoga com Clarice, com Lygia Fagundes Telles, José Lins do Rego, ditados populares, a arte da pintura e navega um mapa de muitos tempos, incluindo a ditadura militar, o Plano Collor, futuros imaginados e os tempos de isolamento social e mudanças tecnológicas impactando nossa comunicação. Outro destaque é como a autora trata as palavras de acordo com o período e o ambiente de cada história. Aqui, a linguagem também é tempo, é um lugar. Em Ambidestria, encontramos uma lupa sobre as relações humanas e sobre aquilo de que é feito o tempo, como se ela examinasse de perto o que há dentro de cada grão guardado em uma ampulheta. Leonardo Villa-Forte